17 janeiro 2006

Há Bem que vem para Males ......

Este artigo foi retirado integralmente do saite do Paraná On-Line (necessita cadastro),e mantenho todas as referências de autoria e publicação, apenas usando para informações que acredito serem muito importantes em relação ao (ab)uso de analgésicos (que não deixam de ser químicos) na vida cotidiana. O autor do artigo é José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br), professor emérito da UFPR junto ao Depto. de Farmácia, pesquisador 1.ª do CNPq e 11º. Prêmio paranaense em C&T.
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Analgésicos: questionamento à consagração

Redação/O Estado do Paraná

José Domingos Fontana

A busca da analgesia (alívio à dor, por vezes associada à febre ou uma inflamação) é prática rotineira do homem moderno. Caso a caso, e sob a necessária supervisão médico-farmacêutica, a prescrição usualmente recai em drogas consagradas pelo uso (caso do paracetamol ou acetoaminofen), nas ditas NSAIDs (drogas antiinflamatórias não esteroidais, como a aspirina, diclofenaco, ibuprofen e meloxicam) e, em casos mais graves, nos opióides (como codeína, heroína, metadona, morfina e tramadol). Os dois primeiros grupos apresentam a vantagem de não envolverem adicção, dependência ou tolerância.

Um alerta a respeito do uso (e possivelmente abuso) do paracetamol veio à luz em agosto de 2004 (Gary Churan; Archives of Internal Medicine) como consequência da investigação feita por cientistas de um hospital de Boston, Masachussets, envolvendo 1.700 mulheres num período de 11 anos. Trinta por cento deste contingente monitorado apresentou queda das funções renais. Este risco aumentou para 64% quando o número de comprimidos consumidos oscilou entre 1.500 e 9.000 e duplicou quando acima da última cifra.

Outra revista, New Scientist, noticia agora um questionamento ainda maior quanto ao uso de paracetamol por parte da sociedade norte-americana. A amostragem foi de 662 pacientes tratados de insuficiência hepática entre 1998 e 2003, com a alarmante incidência de 25% de óbitos. Outra conclusão dos cientistas é que a dose repetida de 20 comprimidos de paracetamol (ou marcas comerciais que o contenham) de 500 mg ao dia levam ao dano hepático e morte.

O paracetamol foi descoberto acidentalmente na Universidade de Strassburg nos anos 1880s, quando os auxiliares do Prof. Kussmaul ministraram acetanilida ao invés de naftaleno para curar uma verminose. Tal paciente experimentou uma notável redução no estado febril. A acetanilida (bastante tóxica) havia, in vivo, se convertido em paracetamol. Mas foi apenas em 1948 que Julius Axelrod e Bernard Brodie, estudando catabólitos na urina, provaram que o paracetamol era um derivado metabólico tanto da acetanilida quanto da fenacetina. O produto foi inicialmente comercializado nos USA a partir de 1955, com o nome Tylenol (associado à codeína), e, no ano seguinte, na Inglaterra, donde é até hoje o mais vendido analgésico e antipirético. Modernamente, o paracetamol é obtido a partir do fenol que nitrado gera o pnitro-fenol, que é reduzido a p-amino-fenol, que finalmente é acetilado para gerar a droga final.

Diferentemente da aspirina, o paracetamol é bem tolerado por pessoas padecendo de úlceras pépticas e também em casos de asma. A dosagem recomendada é de 2 cápsulas ou tabletes de 500 mg a cada 4 a 6 horas, mas nunca excedendo 8 cápsulas em 24 horas. No caso de crianças, a dose deve ser rebaixada para 10 a 15 mg/kg de peso corpóreo. O "pico" máximo sérico é atingido entre 30 e 120 minutos, mesmo tempo em que inicia a desativação sob a forma de glucuronato e sulfato pelo aparato hepático, seguida de excreção renal. Overdoses de paracetamol levam à injúria hepática temporária ou permanente e, em último caso, óbito. Estima-se que na Inglaterra e País de Gales cerca de 30 milhões de pessoas utilizam regularmente o paracetamol e o número de mortes associadas em 2004 foi de 98, devido a "dano irreversível do fígado". Na via catabólica, o paracetamol gera um derivado, a N-acetil-imino-quinona, para cujo combate o organismo mobiliza a forma reduzida de um tripeptídio, o glutation (o mesmo que mantém o íon ferroso da hemoglobina das hemácias em seu estado redox "metabolicamente certo"). No caso de real envenenamento por doses muito elevadas de paracetamol (e.g., consumo por crianças desavisadas ou pessoas idosas "rebeldes"), o glutation disponível no corpo não é suficiente e o paciente deve ser socorrido por um suprimento de outra droga redutora que "seqüestra" e inativa o paracetamol, a N-acetil-cisteína, que então atua como ágil antídoto.

Embora o paracetamol exiba reduzida ou nula atividade antiinflamatória, ele é especialmente recomendado nas dores decorrentes de osteoartrites, em vista de não apresentar efeitos colaterais para o aparelho gastro-intestinal (Day, R.O. et al., The Position of Paracetamol in the World of Analgesics, Am. J. Therap. 7, 51-54). No caso de medicamentação de infantes, um estudo norte-americano envolvendo 218 crianças suspeitas de intoxicação por ingestão de xarope de paracetamol concluiu pela ausência de qualquer dano permanente ou óbito {B.J.Anderson (1999) J. Paed. 135 (3), 290-295}.

No que tange ao mecanismo de ação de drogas, o corpo reage a injurias através de respostas inflamatórias via produção de prostaglandinas elaboradas pelas enzimas COX-1 e COX-2 (ciclooxigenases). Estas são inibidas por NSAIDs, como a aspirina e ibuprofen, com os sabidos e não desejados efeitos negativos no estômago. Não é o caso específico do paracetamol, cuja ação somente foi elucidada quando se descreveu uma terceira ciclooxigenase, a COX-3, encontrada no cérebro e cordão espinal, a qual é seletivamente inibida por paracetamol {Chandrasekharan, NV et. al., (2002) , Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 99, 13926-13931}.

Está consagrado o conceito de que uma aspirina ao dia reduz o risco de acidentes circulatórios como o infarto, AVC (Acidente Vascular Cerebral) e trombose de veias profundas. O que se reportou na literatura é que o uso de um segundo analgésico NSAID, qual seja o ibuprofen, anula este efeito benéfico (anticoagulante) da aspirina e retorna o consumidor à situação de risco anterior (New England Journal of Medicine; Dec 20, 2001; 345(25); 1809-17).

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